quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Reescrever Emaús...


Depois de muitas expectativas alimentadas na grande cidade, lá voltamos nós à nossa pequena aldeia da vida comum, com desalento e tristes.
“Ainda não foi desta vez, nem com este homem, que as coisas mudaram” – repetimos um ao outro.
“Colocámos n’Ele tanta esperança, confiámos tanto nas suas palavras, vimos tantas coisas maravilhosas. Mas tudo acabou no fracasso. Ele não nos mudou a vida.”
Aproximou-se então um Desconhecido, vindo não sei de onde, e começou a caminhar connosco sem qualquer convite da nossa parte.
“Do que falam vocês no caminho da vida? O que vos preocupa, entristece e carrega o vosso andar pelas curvas da história?”
“Sabes lá o que é tristeza, preocupações ou sofrimento?” – rematamos nós. “Com essa pergunta deves ser o único que pensa que a vida é bela e amarela.”
“Contem lá o que vos incomoda” – insistiu o Estranho.
“Na desorientação da nossa vida, e porque dificilmente conseguimos orientarmo-nos a nós próprios, colocámos as nossas esperanças em Jesus de Nazaré. Ele dizia coisas maravilhosas, que eram acompanhadas de acções que as comprovavam. Nós esperávamos que fosse Ele a dar novo sentido ao nosso viver. Mas as autoridades da nossa instalação; os sumos-sacerdotes do nosso egoísmo, pecado e horizontes curtos; os fariseus da nossa hipocrisia e falta de coerência; e os escribas da falta de coragem e decisão crucificaram-no e mataram-no.
Nós esperávamos que fosse Ele a fazer as coisas por nós. Mas já lá vai o terceiro dia e nada mudou. Algumas mulheres do nosso grupo – a Esperança, a Fé e a Caridade – assustaram-nos por fazerem, realmente, muito sentido nas nossas vidas e diziam que Jesus não tinha morrido. A razão e o sentimento foram ao túmulo e não encontraram lá a nossa vida. Mas a Jesus ninguém O viu.”
E o Desconhecido aponta-nos esta lança: “Homens sem entendimento, sem horizontes de vida, sem esperança nem fé nem confiança para perceber a vossa própria história. Então o Messias não tinha de sofrer tudo isso para vos mostrar e levar para Deus?”
E, desde Moisés e passando pelos profetas, explicou-nos o sentido das Escrituras e como elas iluminavam a nossa vida com a luz de Deus que é o próprio Cristo.
Quando chegámos à nossa aldeia da vida quotidiana, o Desconhecido fez questão de continuar o caminho para diante. Nós insistimos com Ele: “Fica connosco. A nossa vida já vai adiantada e a noite do sem sentido de viver aproxima-se”.
O Desconhecido entrou, então, na casa da nossa vida pessoal, sentou-se à mesa das nossas decisões, tomou o alimento do amor, partiu-o e entregou-nos.
Nisto os nossos olhos abriram-se e nós reconhecemos Jesus. Aquele que por nós se entregou por amor. Mas o amor tinha desaparecido da nossa vista.
Confessámos um ao outro: “Não nos ardia o coração quando Ele nos explicava as Escrituras como uma história de amor entre Deus e a humanidade?”
No mesmo instante levantámos a nossa vontade e voltámos para a cidade dos grandes objectivos. Lá estavam os outros Onze, reunidos no amor, que nos confirmaram: “Realmente Jesus ressuscitou! Iluminou com a Sua vida nova a nossa razão de viver.”
E nós contámos o que nos tinha acontecido no caminho da vida e como recebemos e reconhecemos Jesus ao repartir o alimento do Seu amor.


(É uma visão pessoal do texto)

A minha fé na Ressurreição


Depois do sofrimento e da confusão causada pelo pecado, sinto no meu coração a antecipação de algo novo, aquela dor na barriga de que algo está para acontecer.
Senti-me perdoado porque Cristo está vivo. Ele não morreu nem me deixou morrer. É assim, de facto.
O pecado que me feria não me matou porque Cristo morreu por mim. O estado de morte – ou de recusa da vida – não foi total porque a morte foi vencida.
Há qualquer coisa dentro do peito que quer rebentar para fora. Corre!
Vê o lugar onde jazias. Tu não estás lá porque alguém assumiu esse lugar. E esse Alguém também não está morto.
Corre a minha razão e o meu sentimento (Jo 20, 1-10). Chega primeiro o sentimento, que é sempre mais apressado e precipitado. Chega mas não tem coragem para entrar.
Chega depois a razão, mais cautelosa, e por isso vai mais devagar. A razão entra e vê, mas não entende. Como pode ser?
Entra, então, o sentimento. Aquilo que não vê e o pouco que vê bastam. Viu e acreditou!
Ainda não tinham entendido porque esse entendimento vem pela Palavra reveladora: era assim que tinha de ser!
Contra toda a lógica, e no meio da confusão dos sentimentos. Mas aconteceu!
Fui devolvido à vida! A uma vida nova, transformada pelo amor que experimentei no meio do desespero do pecado.
A fé voltou. Compreendeu pelas Escrituras, sentiu no coração e experimenta na vida.
Ainda não vejo essa vida renovada, mas já não vivo na velha condição do pecado.
Sinto-me livre e recuperado da luta que Alguém travou por mim e comigo.
Mas não está tudo feito… Choro.
Queria tocar, ver e ouvir Aquele que me acompanhou.
Mas, afinal, quem procuro (Jo 20, 11-18)? Aquele que me libertou ou os restos daquele que foi libertado? Se a vida é nova como a conheço?

Ouço o meu nome. Reconheço-me.
“O essencial está feito. Agora és tu que tens de caminhar. Não me detenhas, esperando que Eu faça o caminho por ti. Eu libertei-te e dei-te uma vida nova. Merece-a! Vive-a! Eu sou essa vida nova. Vive em Mim!
Já não sou apenas o companheiro; mas sou o caminho e a meta. Já não sou apenas o dedo que aponta o mal; sou o critério para o perceber.
Eu vou para o Pai para levar comigo a tua vida e a da humanidade inteira. O caminho ainda não terminou. Apenas venceste uma batalha na luta da vida.”
E eu vi o Senhor!
Na minha vida perdoada, no alento renovado para fazer caminho.
E na conversa ao telefone com aquela pessoa que, das profundezas do sofrimento que esmaga, se ergueu mais forte e renovada.
Encontrei-me porque O encontrei. E encontrei-O em ti que comigo caminhas e me ajudas a caminhar com o teu testemunho sofrido.
Senhor, não quero voltar a trair-Te.
É nestas minhas chagas abertas que vejo os sinais da ressurreição. É nessas feridas que não desaparecem, mas que já não doem, que percebo as minhas limitações e enganos e o quanto isso me escraviza.
É nessas feridas que sinto a dor de ser perdoado e re-ligado.
Dizia Newman que o padre é o “curador ferido”. Pois são essas chagas o meu púlpito!

Meu Senhor e meu Deus (Jo 20, 19-31), que o medo de voltar a falhar e a trair-Te não me paralise. Que a paz alcançada pela grande luta me afaste do pecado e seja vivida com e para os outros. Só a Ti sirvo (Senhor) e só a Ti adoro (Deus)!

Via-sacra

Os relatos da paixão de Jesus são, como disse alguém, muito “cinematográficos”.
Isso dá-nos uma grande possibilidade: imaginem-se como uma das personagens que acompanha Jesus desde a Última ceia até à Cruz.
Procurem, como diz S. Inácio, o conhecimento interior de Cristo, os seus sentimentos; os sentimentos de cada um dos actores. Procuremos perceber quais são os nossos sentimentos a cada momento desse caminho.

Preparem-se… Acreditem que não vai ser fácil.

E mais não digo…


P.S: Certamente vão passar os olhos por este “post” e seguem para o seguinte.
Mas experimentem mesmo fazer este exercício na vossa oração.

As duas bandeiras (EE 136)

Acolhe-me, Senhor, debaixo da Tua bandeira da Cruz para combater o exército dos meus pecados.
Sou fraco guerreiro; fraco mas livre eu quero ser.
Estendo para Ti a minha mão atrofiada (Lc 6, 6-11) pelos olhares e critérios daqueles que se acham donos do mundo e dos outros.
Humilho-me diante deles para receber como única glória o Teu amor que perdoa e liberta.
Mas porque Te chamo “Senhor”, se não faço aquilo que me dizes (Lc 6, 46-49)?
Tantas vezes que a casa da minha vida já foi varrida pelas tempestades da vida.
Tudo o que não está em Ti é pó e areia.
E lá continuam os meus cálculos sobre mim mesmo e sobre o que os outros pensam de mim.
E se fizesse contas ao peso da Cruz do Senhor na minha vida (Lc 14, 27-35)?
Ou será que ela não pesa nada comparando com as honras do mundo e dos homens?
O que pesa mais, afinal, na minha vida? O que lhe dá sentido?
Seguir a bandeira de Cristo que dá sabor e força à vida, ou a bandeira das honras que hoje vêm e amanhã desaparecem, nunca sem antes nos aprisionar?
Visto o uniforme da fé, mas sou um espião do exército inimigo, ou um mercenário que só quer o melhor dos dois lados.
Servo hipócrita, que gastas os bens do Teu Senhor e não esperas a Sua chegada (Mt 24, 45-51).
Se eu soubesse que o Senhor viria amanhã, como viveria o dia de hoje?

Meu Deus, tende piedade de mim, que sou pecador (Lc 18, 9-14).


Quero ostentar bem no alto da minha vida a bandeira de Cristo.
Quero ouvir o Seu chamamento na Sua Palavra;
Lutar fielmente com as armas da verdade, da humildade,
da oração e do serviço desprendido.
Quero integrar as fileiras dos homens livres porque filhos de Deus,
Resgatados pela paixão do Senhor Jesus.

Desabafos

Renuncio a uma vida a “meio-gás” para ter uma vida inteira; para me entregar inteiramente ao Senhor Jesus, pois Ele também se entregou totalmente a mim.
Desprendo-me de tudo para me prender ao amor de Deus.
Mas serei capaz de me desprender de mim mesmo?
O Senhor o pede e o Senhor há-de indicar o caminho.
E também me há-de amparar e corrigir quando for necessário.

Vieram-me ao coração e à mente alguns fantasmas, conflitos mal resolvidos e atitudes menos próprias.
São humilhações que o Senhor me oferece e que eu aceito com humildade.
São provas do meu mau seguimento e da fraqueza do meu sal.
Tudo isto Te ofereço, Senhor, para que o transformes com o Teu amor e me faças seguir-Te mais fiel e humildemente.

«O vosso espírito de bondade me conduza por caminho recto.
Por vosso nome, Senhor, conservai-me a vida, por vossa clemência tirai da angústia a minha alma.»
Sl 142 (143)

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Uma alma ferida de amor

Uma das grandes lutas na oração é a experiência da ausência de Deus.
Parece que Deus não se interessa por nós, não comparece na oração, não se faz ouvir na Palavra, não se manifesta na caridade, etc... Parece que Deus nos abandona nos nossos defeitos, na nossa aridez.
Sabem o que é a saudade? Aquele sentimento que, de vez em quando, precisamos de sofrer para percebermos o quanto amamos alguém?
Perceber que Deus já nos salvou, já entregou o Seu Filho por nós, já nos libertou...
A humilhação de ser perdoado... De mendigar amor com a certeza de que ele é dado.
A consciência do meu afastamento e não de Deus.
Esse sentimento de ausência não acontece quando menos confiamos?
Queremos fazer tudo bem e esquecemos de nos abandonar em Deus.
Aceito esta humilhação para minha santificação.
Como S. Francisco Xavier digo: Mais, mais, mais...

Deixo-vos com outro Francisco...

Uma alma ferida de amor pela ausência de Deus

«Esta pobre alma, que sente bem que está resolvida a morrer para não ofender o seu Deus, mas que, entretanto, não sente um pouco que seja de fervor, antes pelo contrário, uma frieza extrema que a mantém toda entorpecida e tão fraca que cai incessantemente em imperfeições muito sensíveis, está toda ferida porque o seu amor está muitíssimo dorido por ver que Deus parece não querer ver como ela o ama, deixando-a como uma criatura que não lhe pertence; e parece-lhe que, entre os seus defeitos, as suas distracções e friezas, nosso Senhor lança contra ela esta censura: Como podes dizer que me amas, se a tua alma não está comigo? Para ela, isto é um dardo de dor que atravessa o seu coração, mas um dardo de dor que procede do amor, porque, se ela não amasse, não se afligiria com a percepção de que nada mais tem senão amar.»

(S. Francisco de Sales, Tratado do Amor de Deus, Livro 6, cap. 15)

Árvore

Eu sou uma árvore plantada por Deus.
A semente da Palavra caiu num terreno difícil, árido, lavrado pelo pecado.
Sem saber como, a semente foi crescendo (Mc 4, 26-32) e deu uma árvore.
A árvore voltou a ser cortada pelo tronco, por causa do pecado.
Do tronco brotou um rebento, que voltou a crescer e tornou-se novamente árvore.
Esta árvore já tem uma certa altura e faz parte de uma floresta.
Muitas aves do céu contam com esta árvore e procuram nela abrigo, remédio e alimento.
A árvore gostaria de ter sempre tudo isso, mas tem de obedecer ao tempo, e dar abrigo, semente, folhas e fruto na sua devida altura.
Esta árvore é agitada pelo vento que espalha a sua semente e renova as suas folhas.
A árvore é aquecida pelo sol e sofre com a geada e o frio.
Esta árvore tem alguns ramos secos, onde não há folhas nem fruto.
A árvore não consegue partir os ramos secos. Precisa do vento forte ou que alguém venha cortá-los.
Esta árvore tem vergonha dos seus ramos secos, mas tem confiança que eles hão-de ser cortados na devida altura.
A árvore não cresce como quer mas depende do sol.
E precisa de água e alimento para continuar a crescer e a dar fruto.
Esta árvore precisa de ter raízes fortes para suportar as tempestades da vida, senão é arrancada pela raiz.

«Só em Deus descansa a minha alma, d’Ele vem a minha esperança.
Ele é o meu refúgio e salvação, minha fortaleza, jamais serei abalado.» Sl 61(62)

Um "P.S" para vocês


Às vezes não se devia colocar aqui estes textos sobre a oração.
São muito pessoais e a minha experiência será certamente diferente da vossa.

Para aqueles que não percebem isto da oração e acham que a oração é falar ou pensar muito ou fazer muita coisa.
Para aqueles que gostam de mandar os seus “bitaites” porque já sabem sempre tudo e mais alguma coisa, ou porque nunca sabem nada e passam a vida a perguntar aos outros sem ir à descoberta, olhem… Calem-se…

Passem, pelo menos, meia hora em silêncio.
Repitam isso todos os dias.
Lutem contra Deus, convosco próprios, com as distracções, com pecado e com o Diabo.
Despojem-se de vocês mesmos e dêem o lugar principal a Deus.
Coloquem-se diante d’Ele com verdade. A vossa verdade diante da Verdade que Ele é.
A oração é uma questão de FÉ e de PAIXÃO.

E quando não te apetecer, faz na mesma.
Quando achares que não serve para nada, faz na mesma.
Quando julgares que não precisas, faz na mesma.
Quando não tiveres tempo, faz na mesma.
Quando estiveres distraído, faz na mesma.
Quando sentires o teu corpo todo dorido, faz na mesma.
Quando fizer doer o coração, faz na mesma.
Quando achares que és uma merda e voltas sempre a fazer asneira, faz na mesma e com mais força ainda.
Quando te acabarem as palavras, leituras, pensamento e técnicas, continua a fazer na mesma.
Quando estiveres cansado de lutar, faz na mesma.
Quando te renderes a Deus, continua a fazer na mesma.
Quando mais nada te restar na oração a não ser o silêncio cheio de paz, fica aí.

Saboreia isso. Contempla isso.
Repara como te sentes amado, reconciliado e tudo é dom.
Continua a saborear isso.
É Deus que te encheu o coração da Sua presença.

Quando souberem o que isso é voltamos a falar…

E depois continua a rezar na mesma porque ainda não chegaste ao Céu.

Sentinela, que vês tu?


Como posso ser sentinela (Ez 33, 7-9) se a minha própria alma vagueia pelos montes do egoísmo e pelos vales do pecado?
Creio que era S. Gregório Magno, papa, que sofria também com esta pergunta no seu ministério.
E porque hei-de querer controlar o amor do Deus (Mt 20, 1-16), sendo o último dos trabalhadores e o primeiro dos ímpios?
O medo de voltar a falhar tornou difícil contemplar o amor de Deus por mim, que se manifestou na Cruz de Jesus e que me chama desde a primeira hora a trabalhar pela minha salvação na vinha do Senhor que é a Igreja.
Já quero fazer propósitos e arranjar estratégias para não voltar a falhar.
Calma…
Contempla e saboreia o amor de Deus…

O silêncio hoje foi difícil e houve dispersão. Começou a apertar-me o peito e a querer rebentar.
Saborear o amor de Deus.
Talvez tenha sido isso que tem faltado das outras vezes. Passo por cima disso e avanço logo para os propósitos e objectivos e truques e etc…
Tudo assente nas minhas capacidades e na minha vontade.
Saborear o amor de Deus. Confiar e dar o primeiro lugar a Deus.
Reafirmar a paixão por Ele. Como é que isso se faz?

Shiuuuu…
Não fales. Não penses em nada. Apenas fica diante do Senhor.
Sem porquês, sem razões, sem justificações, sem conversa, sem fazeres rigorosamente nada.
Apenas fica…
Silêncio… Saboreia… Contempla…

Beijar os pés

Quando lemos Lucas 7, 36-50 habitualmente ficamos espantados pelo gesto da mulher pecadora que lava os pés de Jesus com as lágrimas (tenho um texto neste blog sobre isso).
Mas avancemos um pouco mais. Repara como enxuga os pés com os cabelos e os beija.
O gesto de lavar os pés tem fortes ressonâncias na nossa fé e na Escritura. Lembramo-nos logo do gesto de Jesus na Última Ceia como gesto de entrega, serviço e despojamento, antecipando a Sua morte. Sabemos que esse gesto era feito pelos escravos, o que nos impressiona mais porque Jesus, sendo Deus se fez homem, sendo Senhor se fez servo.
Mas repara hoje no gesto de beijar os pés. No tempo de Jesus, beijar os pés ou o joelho era sinal de agradecimento profundo por uma vida salva. E está tudo dito.
Quem não ama não pede perdão nem reconhece o perdão por achar que não precisa dele. Quem não ama fica no julgamento («Se este homem fosse profeta…»).
Ou então fica na inveja de ser mais ou menos amado por Deus em relação a alguém (Mt 20, 1-16: «Estás com ciúmes por eu ser bom?). Quem ama é agradecido, reconhece-se salvo, resgatado, libertado.
Muito devo ao Senhor porque muito o ofendi e me afastei. Muito lhe agradeço porque muito fui perdoado. O Senhor salda a dívida do meu afastamento no madeiro da Cruz. O seu amor feito entrega é o meu resgate. Por isso lhe beijo os pés, reconhecido e agradecido por me ter salvado. Sem vergonha da humilhação do que os outros pensam, mas expressando o meu amor por Ele.
Se o que mais dói é a dor de ser perdoado, então aquilo que me leva a mudar e converter é o reconhecimento do amor de Deus por mim amando-o muito mais.


Oblação de Santo Inácio (EE 98)

Eterno Senhor de todas as coisas, eu faço a minha oblação, com vosso favor e ajuda, diante da vossa infinita bondade, e diante da vossa Mãe gloriosa e todos os santos e santas da corte celestial, que eu quero e desejo e é minha determinação deliberada, contanto que seja vosso maior serviço e louvor, imitar-Vos em passar todas as injúrias e todo o desprezo e toda a pobreza, assim actual como espiritual, se Vossa Santíssima Majestade me quiser escolher e receber em tal (indicar qual) vida e estado.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A ovelha empoleirada na Cruz


Contemplo a cruz e imagino uma ovelha pendurada à volta da cabeça pendente de Jesus.

A ovelha escuta aquelas palavras sussurradas do Senhor crucificado:
Tenho sede do teu arrependimento e conversão.
Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem que o seu pecado continua a crucificar-me, a exigir a prova máxima do amor.
Meu Deus, porque me abandonaste? Pois fiz tudo para te encontrar e tu continuaste fugido e escondido de mim.
Tudo está consumado porque, finalmente e totalmente, a todos reconciliei com o Pai.
Nas Tuas mãos entrego o meu espírito, para que este amor pregado na cruz os ensine a não voltar a fugir de Ti, ó Pai.

«Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
pois Ele é o nosso Deus e nós as ovelhas do seu rebanho.
Se ouvires a voz do Senhor não endureçais os vossos corações» Sl 94 (95)

Não lamento aquilo que perdi. Lamento e choro aquilo que recuso ser...

A dor de ser perdoado

Já deves ter experimentado aquela sensação desconfortável quando fizeste asneira e entras sorrateiro em casa e, ao chegar junto do teu pai (ou mãe) reparas para ele e percebes no seu olhar que ele sabe da asneira que fizeste, mas que nem por isso fica com cara de reprovação.
Imagina o rosto de teu pai com um ligeiro sorriso, daqueles que te irritam porque te sabes nu diante dele. Aquele sorriso e aquele olhar como que a dizer-te sem palavras: Vá, diz lá o que fizeste. Admite o mal que eu e tu sabemos que praticaste.
Pensas para contigo: "O raio do homem conhece-me mesmo bem..."
Sentes a vergonha de ter sido "apanhado" mas, ao mesmo tempo, tens aquele sentimento de "eu tenho um pai que me conhece e me ama".
É este sentimento que tu não queres perder porque sabes que, se esticares a corda, desiludes o teu pai e o levas a pensar: "Não aprendeu a lição. Abusou da minha confiança. Desperdiçou o meu perdão. Traiu o meu amor." É pensar nisto que mais faz doer o coração. É isso que te leva a evitar o mal e o pecado.
É isso que te leva a amar o Pai e a não ter medo dele. Não é o medo do Pai, do seu ralhete, castigo ou puxão de orelhas que me afasta do mal, mas sim o não querer desiludir o Pai por não querer ou saber corresponder com amor ao seu amor.
Ser perdoado dói...
A união de amor com o Pai faz-nos únicos para ele e, por isso, não desiste nem abdica de nós. O pastor procura a única ovelha que se perdeu e a mulher a única moeda que deixou cair (Lc 15, 1-7. 8-10).
A vergonha do pecado e a falta de confiança no perdão de Deus leva, por vezes, a ovelha a esconder-se nas rochas do orgulho quando sente o pastor por perto à sua procura, gritando pelo seu nome.
Apesar de me perder preciso de me deixar encontrar.
E até gritar (ou berrar) para que o pastor saiba onde estou e me encontre mais depressa. Não devo fugir do pastor quando se dá o encontro, mas sim deixar-me agarrar para que Ele me coloque aos seus ombros. E ficar bem junto dele.
É assim o amor exagerado de Deus.
Eu até podia voltar sozinho para o redil já que também cheguei ali meu próprio pé.
Mas o Pastor faz questão de que eu sinta os seus passos, o seu cansaço, o seu esforço por minha causa, o seu respirar aliviado por me encontrar e até alguma palavra de carinho que só se diz baixinho.

domingo, 4 de setembro de 2011

Outono

Deitado no banco do jardim entreabro os olhos.
Vejo o sol penetrar através das folhas das árvores, fazendo um jogo de cores e sombras.
Percebem-se as cores das folhas: vermelhas, verdes, amarelas, castanhas...
É o sol que revela a cor das folhas.
O vento agita as folhas numa dança ritmada.
É o vento que dá movimento.
E só assim, pelo balouçar das folhas e dos ramos, sentimos e ouvimos o vento.
O vento faz cair as folhas mortas numa chuva de cores.
É o vento que nos faz mexer, abanar e nos despe daquilo que está caduco, pôdre e morto.
É o vento que renova.
E umas árvores mexem-se mais que outras.

Miserere

Senhor, que vida miserável tenho vivido.
Quanta divisão interior, quanta dor causada, quanta precipitação, quanto medo da solidão, quantos afectos desordenados, quanta falta de entrega ao Teu serviço, quanta murmuração, quanta inveja, quanta procura de aplausos, quanta falta de vigilância e critério entre trigo e joio, entre santidade (dom de Deus) e perfeição (esforço pessoal), quanta mesquinhez, quanto afastamento e recusa de Ti...
Contemplo o inferno (EE 71) que é a Tua recusa permanente e sinto a dor causada ao Teu coração.
Vou continuar e protelar esta vida ou resolvo-me a mudar de vez?

Nada no mundo me ajuda a permanecer seja no que for. Tudo muda demasiado rápido: os valores, os critérios, as opiniões... Participo no pecado do mundo quando quero acompanhá-lo nessa fugacidade para agradar aos homens em vez de Deus. O meu pecado pessoal aumenta o pecado do mundo quando abandono levianamente a fé e baixo a fasquia da caridade e da verdade para agradar aos homens na procura da sua admiração.

Deixar crescer o trigo e o joio até à colheita (Mt 13, 24-30) para amadurecer a consciência do amor de Deus e do pecado. Então depois, colher ou queimar.
Quanta dor pelo pecado e quanta dor pelo amor traído...

Tudo se "esfuma" nas trevas do pecado e na escuridão da dor.
A única certeza e o único consolo que me resta:
Deus vem em meu auxílio,
O Senhor sustenta a minha vida. Sl 53 (54)

A esperança que me alenta:
"Os justos brilharão como o sol no Reino de meu Pai" (Mt 13, 36-43)

Roído pela dor deito-me no banco do jardim,
O vento agita a árvore que me dá sombra.
Os meus olhos bateram e ficaram nos ramos secos.
Parecem garras afiadas prontas a cortar-me a vida,
São os ramos que recebem menos sol...
Numa árvore grande com as suas folhas vermelhas.

O traje de festa (Mt 22, 11-14)

Escuta (de Deus) - o convite para o banquete
Conversão (a Deus) - vestir o traje de festa
Alegria (em Deus) - de participar no banquete nupcial
Comunhão (com Deus) - o Reino de Deus

Programa de vida no qual é preciso PERMANECER (exige fidelidade, perseverança, vigilância). Para permanecer no banquete é preciso ter o traje de festa: a conversão é permanente.

Cf. Então reflecti para compreender até que fui penetrando no mistério de Deus. Sl 73 (72)

Princípio e Fundamento

«O homem é criado para louvar, prestar reverência es ervir a Deus nosso Senhor e, mediante isto, salvar a sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para que o ajudem a conseguir o fim para que é criado.» (Exercícios Espírituais 23)

Deus criou-me para sua glória. A glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é o próprio Deus, diria Sto. Ireneu. A minha glória é ter Deus comigo e em mim.
Preciso de ter consciência do fim para que fui criado para saber o meu lugar e a minha missão e, desta forma, saber o lugar de cada coisa na minha vida. Tudo o que me ajuda a dar glória a Deus deve ser aceite; tudo o que me impede deste fim deve ser recusado.
Só assim saberei "vender" o que possuo com alegria para possuir o único tesouro que importa: Deus e o seu amor.

Servi o Senhor com alegria porque Ele é bom, fiel e misericordioso. Sl 99 (100)

O amigo "desistente"

O amigo insistente de Lc 11, 5-13 não pede para si e, por isso, pede a qualquer hora e com a esperança de receber.
Mas aqui este amigo "desistente" sente demasiada preocupação em pedir e em dizer aquilo que eu acho que Deus quer ouvir. Assim não peço com a vida nem com a minha verdade pessoal.
A vergonha de pedir, bater e procurar... Sim, porque fazer isso é reconhecer que não temos nem somos capazes de tudo; não nos bastamos a nós próprios. Mas, se não o fizermos, nunca temos, não recebemos nem encontramos.
Pedir o que Deus quer, procurá-lo a Ele e ao seu amor, bater à porta da sua misericórdia. O resto será dado por acréscimo...
Nós, que somos maus, sabemos pedir coisas boas para aqueles de quem gostamos. O Pai, que nos ama, dá-nos o que tem de mais precioso: o seu Filho e o seu amor pelo Espírito Santo.
Isso não será suficiente para nós porque não alargamos o nosso olhar até ao horizonte de Deus e porque as nossas vontades não coincidem. Cada um que pense bem nos pedidos que faz a Deus: saúde, sorte, paz, boas notas, etc... Estas e outras coisas não surgirão como consequência de uma vida em Deus e cheia do Seu amor?
Deus dá-me a Sua presença, que é o Espírito Santo. Isso não me chega?
É pela Palavra de Deus que alargamos o nosso horizonte de vida e aprendemos a conciliar a nossa vontade com a d'Ele. Por isso é "Palavra de salvação". Salava-nos dos horizontes curtos e desejos de pouco ou mesquinhos.
Desejar menos que a santidade é pouco. E o querer pouco de Deus e de mim mesmo é falsa humildade.
Penso em mim, em certas situações da minha vida, e em algumas pessoas que conheço que são infelizes porque não ousam querer mais.
O meu desejo de encontrar Deus é fraco pelo medo de me encontrar com a minha verdade. Ele tem essa mania de nos revelar a nós mesmos... Esse medo é falta de fé e de confiança em Deus e no seu amor que é perdão e misericórdia. Senhor, aumentai a minha fé...

Peço-te, Senhor, o Teu Espírito
para querer o que Tu queres,
para experimentar e ver a Tua presença
que me dá um novo horizonte e novo alcance,
nova força, novo olhar e novo coração.

Cantarei ao Senhor enquanto viver;
louvarei o Senhor enquanto existir.
Bendiz, ó minha alma, o Senhor.
Sl 104 (103)

Isaías 6, 8-13

Preciso de olhos novos, ouvidos novos
(daqueles que vêm e ouvem mesmo...)
e de um coração novo,
purificado pela brasa do amor de Deus
que faz arder tudo o que nos afasta d'Ele.
Preciso de um coração novo,
onde arda esse amor de Deus,
para que a boca anuncie a Aliança
que Deus faz e refaz comigo no coração.
"Aqui estou, envia-me."
E da destruição das cidades,
das árvores cortadas pelo tronco,
brota um rebento...
O Emanuel, Deus em mim.

Conversão

Quero, Senhor, o teu amor;
quero conhecer-te a amar-te para te desejar cada vez mais,
e assim levar os outros, pela minha missão, a conhecer-te e a desejar-te.
Abro o meu coração para te acolher
e retiro tudo o que me afasta de ti:
as tuas caricaturas que eu ou outros inventam,
os meus desejos de coisas fúteis, a glória pessoal,
os aplausos, o egoísmo, a apatia,
o medo de me expôr e de mudar...
Retiro-me de mim mesmo para te dar lugar,
porque só quando tu estiveres plenamente em mim,
eu estarei plenamente em mim próprio,
e serei plenamente conforme a tua vontade.

Quando parar é fazer caminho.

É isso mesmo: quando parar é fazer caminho. É assim que me sinto depois deste ano pastoral dificil e atarefado. E antes que outro ano chegue sem dar conta vamos lá parar para definir caminho.
O trabalho com os jovens, a dificuldade da realidade das vocações, a ausência de uma comunidade concreta, as tarefas tão diferentes que dispersam, os grandes momentos de Igreja como as JMJ, etc., levam-me a precaver nesta nova etapa.
Uma experiência nova: fazer os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola.
Uma pedagogia diferente, um grupo de pessoas diversificado (para não ser só com padres!), uma casa diferente. Parar, procurar, escutar, amar... 8 dias em silêncio. Conversão em ordem à comunhão.
Fiquem por aí que eu vou ali parar e já volto...